Ensino híbrido e cooperativismo: o futuro da educação no Brasil
29 de março de 2021 às 08:45
Um dos pilares da sociedade é a educação. Iniciada logo nos primeiros anos, ela é a responsável por criar a base para a formação de qualquer ser humano. O que fazer então quando ela não é feita de forma 100% eficiente? Ainda mais…e quando o problema deixa de ser apenas estrutural, para ser uma crise sanitária de proporções mundiais?
Com o início da pandemia em março de 2020, as escolas rapidamente fecharam suas portas. De uma hora para a outra, as atividades presenciais foram suspensas e substituídas pelo ensino remoto. Com o novo modelo, novos desafios foram criados, ainda mais considerando que o Brasil ainda não possui infraestrutura suficiente para fazer uma boa conexão chegar à toda a sua população.
Mas afinal…como usar as novas tecnologias para melhorar e ajudar um setor que já sofria com problemas crônicos antes mesmo da pandemia? Como revolucionar o modo de fazer o ensino chegar aos alunos, de forma eficiente e garantindo um bom nível de aproveitamento? Mesmo com um sistema falho, o Brasil possui espaço para crescer nesse modelo, e hoje pessoas e empresas já tentam repensar a forma como a educação é ofertada a milhares de alunos ao redor do país.
Um dos ramos que vem tido êxito nesse novo modelo são as cooperativas educacionais. Nelas, pais e alunos são integrados à atuação do corpo docente, trazendo benefícios que vão além do acúmulo de conhecimentos. Na escola cooperativa, os ganhos permeiam todos os grupos, e são benéficos não só para os alunos, mas também para os pais.
Porém, antes de entender como as cooperativas tem atuado nesse cenário desafiador, é preciso entender como o modelo de ensino híbrido ou totalmente digital pode ajudar a enfrentar os desafios que a educação possui hoje. Antes mesmo da pandemia, estes eram problemas já enraizados, e que foram agravados com a chegada do coronavírus.
O novo modelo
O ensino brasileiro possui diversos desafios que já duram décadas. Entre eles, a falta de infraestrutura, a falta de reconhecimento dos professores e até o difícil acesso em algumas regiões. Tais problemas se refletem em uma educação falha, com alta evasão e pouco aproveitamento. E ao migrar essa atividade para a casa dos alunos, o desafio de prender a atenção de crianças e adolescentes se soma a outros tantos que fazem o ensino ser da forma que ele é hoje.
Com um país que ainda não está inteiramente desenvolvido em sua parte tecnológica, migrar ou adotar um modelo completamente pautado no mundo digital é um problema. Para Ismael Rocha, diretor acadêmico da ITEDUC, o modelo híbrido é o caminho ideal, não só perante os desafios do país, como também para o bom desenvolvimento do aprendizado dos alunos.
“No ensino básico o ideal é o ensino híbrido digital, ou seja, uma parte do tempo o ensino presencial e outra etapa o ensino virtual ou remoto. Este equilíbrio é o que vem acontecendo em alguns dos países que mais investem em educação no mundo”, conta. Para ele, a adoção de um ensino híbrido permite o desenvolvimento de competências mais próximas do que se espera na vida adulta, entre elas a capacidade em trabalhar em grupo, resolução de problemas e autonomia.
Ao falarmos do ensino de milhares de alunos, estamos lidando com milhares de ritmos diferentes de aprendizado. Mesmo nas escolas físicas, o desafio de garantir um bom desenvolvimento para cada aluno é algo ainda pendente, e uma falha que resulta em muitos indivíduos que chegam ao último ano do ensino médio com deficiências em vários aspectos. Parte do problema vem da busca incessante em cumprir um cronograma, que precisa ser adequado dentro dos 200 dias letivos anuais.
Porém, ao focar na busca por resultados, muitas vezes alguns alunos ficam “para trás”, com um excesso de conteúdos que, ao não serem bem trabalhos, perdem o seu sentido. “A educação não é algo que é descarregado no aluno, não é algo que é empilhado…é uma construção. O ensino híbrido pode colaborar em alguma coisa, mas não é uma panaceia. Há um erro em crer nisso, um erro grave que não leva em consideração a história e a individualidade de cada estudante”, conta Rocha.
Somado a um modelo falho, a pandemia da Covid-19 escancarou os problemas da educação brasileira. São diversas histórias de alunos que não possuem acesso à internet, nem mesmo um celular básico que seja suficiente para o recebimento das atividades. Ao voltar os olhos para um modelo único, milhões de alunos que possuem menor capacidade financeira perdem o direito básico à educação.
Quando falamos em ensino digital ou ensino híbrido, logo pensamos na necessidade de uma conexão por internet. Contudo, adotar esse sistema vai muito além de um ensino que necessite de conexão para chegar ao aluno. “Há um mito que precisa ser derrubado que afirma que o ensino virtual só pode acontecer através da internet de banda larga. Estamos falando de um ensino mediado por uma plataforma, que não precisa ser necessariamente a internet”, ressalta Ismael.
O Brasil é um dos países democráticos com o maior número de TVs e rádios estatais. Para Rocha, a solução para o problema da chegada do ensino remoto para crianças e adolescentes de áreas periféricas é adotar esse modelo, que necessita de apenas uma antena parabólica para funcionar, algo presente na maior parte do Brasil, inclusive em regiões afastadas dos grandes centros urbanos. “[…] não seria este o caminho para levar a todas as crianças e jovens a possiblidade de aprender? Certamente que sim, pois existem países que optaram pelo uso de TVs e rádios para suprir a falta da internet de banda larga. O que nos falta? Esta é uma pergunta que precisa ser respondida!”, ele completa.
Muito ainda é preciso ser feito para entregar uma educação de qualidade para todos os alunos do país. Sendo uma nação de proporções continentais, o Brasil tem problemas que atingem as mesmas proporções. Porém, a capacidade de criar ideias é tão grande quanto, e poderia ser a chave para criar soluções tanto para os problemas do ensino, quanto para outras deficiências do país.
Com a chegada da pandemia, o modelo de ensino precisou ser modificado às pressas. Mesmo com um desafio que deu as caras repentinamente, uma cooperativa do Paraná conseguiu se adaptar ao novo período de uma forma eficiente. Assim, o trabalho exercido pela Coopermundi serve como um modelo para outras instituições, públicas e privadas, ao redor do país.
O ensino cooperativista
Um dos problemas enfrentados por educadores de todo o Brasil é a negligência de alguns pais, que simplesmente “enviam” seus filhos para a escola, e só se interessam pela vida escolar quando um problema maior acarreta a convocação dos responsáveis. Mudando completamente essa realidade, as cooperativas educacionais tem transformado a relação entre escola e casa, adotando um modelo pautado nos princípios cooperativistas, e incluindo não só pais, como também alunos em um sistema que permite uma educação de maior qualidade.
Criada em 1982, a Cooperativa de Educação e Cultura Regina Mundi (Coopermundi) é uma referência na região sul do país, oferecendo ensino para crianças de 1 ano (pré-maternal) ao período pré-vestibular. Caminhando para seus 38 anos de existência, a instituição faz parte de um grupo que abriga três cooperativas educacionais no estado do Paraná.
Para Fabíula Dalpasquale, diretora pedagógica da Coopermundi, as cooperativas educacionais se destacam pela alta integração entre o ambiente escolar e o familiar, trazendo assim melhores resultados. “O cooperativismo educacional tem em sua prática uma dinâmica muito interessante que conta com o envolvimento muito forte entre família e escola. O Colégio Coopermundi é uma cooperativa onde todos os pais professores e funcionários são associados”, diz ela.
Com a integração entre as partes, o ensino ganha ao ter dois grupos preocupados com a sua qualidade. E, ao adotar o modelo cooperativista, o compromisso com a instituição é maior, pois a gestão das atividades passa a ter o envolvimento de pais e colaboradores associados à cooperativa, trazendo uma maior autonomia para essas figuras.
Mas qual a razão de escolher uma escola cooperativista, ao invés de um colégio privado? “É gratificante como pais, poder fazer parte efetiva do processo escolar dos filhos, apresentar sugestões, críticas e auxiliar a equipe gestora em colocar estas ações em prática”, conta Fabíula. Para ela, o modelo resulta em resultados mais positivos pois a cooperativa não fica à mercê das políticas públicas e planos de governo. E, ao trazer pais para dentro da gestão, os próprios alunos passam a ter um sentimento de maior pertencimento, ao constatarem que seus responsáveis estão diretamente envolvidos em sua formação educacional.
Com a qualidade do ensino público brasileiro sendo abaixo dos níveis ideais, muitas famílias optam por instituições privadas, que utilizam modelos de ensino mais sofisticados, e muitas vezes voltadas para uma formação voltada ao profissional e universal, adotando inclusive uma segunda língua no dia-a-dia das aulas. Porém, com a diminuição da renda familiar nos últimos anos, optar por uma escola particular passou a ser uma possibilidade para um público ainda mais nichado e de maior poder aquisitivo. Frente à essa realidade, as cooperativas surgem como uma opção viável para pais que esperam que seus filhos recebam um ensino de maior qualidade. “As Cooperativas Educacionais contribuem para com o sistema educacional, sendo uma alternativa para as famílias que fazem questão de fazer um investimento diferenciado sem ser em uma escola particular que com certeza teria um custo maior”, ressalta Fabíula.
Uma mudança repentina
2020 começou com um ar de apreensão pelo mundo todo, com os primeiros casos da Covid-19 sendo registrados em países da Europa e logo em seguida, nas Américas. O Brasil viu a pandemia chegar aos poucos, e logo em março, o fechamento de vários estabelecimentos foi necessário. Um dos sistemas mais afetados por essa crise, além claro do setor de saúde, foi a educação. De uma hora para a outra, escolas foram fechadas e alunos precisaram ser mandados para casa, colocando em dúvida o andamento do ano letivo.
Na Coopermundi, a apreensão do momento não foi diferente, e logo novas soluções precisaram ser criadas. Com todo o trabalho já mencionado aqui, logo a cooperativa conseguiu dar andamento à suas atividades, com o mínimo de impacto possível na vida escolar das crianças e adolescentes que são atendidos pela instituição. “A mudança no ensino presencial iniciada em 2020 foi muito repentina, mas graças a um trabalho de equipe feito com muita seriedade, a Coopermundi de imediato, buscou informações sobre as possibilidades de garantirmos um atendimento de qualidade de forma remota”, diz Fabíula. Parte do mérito das soluções apresentadas pela cooperativa, vem de suas parcerias. “Contamos com grandes parceiros do ramo educacional como o Sistema Positivo de Ensino, que através de plataformas já utilizadas permitiram que a comunicação entre professor aluno não parasse. De forma interativa fazendo uso das diversas tecnologias educacionais foi possível suprir a necessidade do momento frente ao isolamento social”, completa.
Para garantir o pleno funcionamento das atividades, a cooperativa e seus parceiros não mediram esforços para possibilitar uma transição tranquila e eficiente para o novo modelo. Segundo a própria Fabíula, vários investimentos na área de tecnologia foram feitos de prontidão, grande parte deles priorizando a capacitação dos profissionais, para que estes pudessem realizar os seus trabalhos com segurança e adotando um ensino híbrido de qualidade.
Ao analisarmos o case da Cooopermundi, logo vemos onde a educação brasileira falha, principalmente em momentos de crise. Com a chegada da pandemia, soluções internas foram rapidamente colocadas em prática, algo que já evidencia como o ensino pautado no cooperativismo se beneficia de um sistema que é administrado de forma interna. Um dos desafios do país ainda hoje é o orçamento limitado para a educação, que vem diminuindo nos últimos anos. E ao adotar um modelo em que o investimento parte de um grupo de pessoas envolvidas diretamente com a instituição, o cooperativismo mostra-se como uma das soluções mais eficientes para a educação brasileira.
Um futuro incerto
Não sabemos como e nem quando a pandemia irá passar no Brasil. Com a falta de políticas nacionais e uma vacinação lenta, o país tem visto o número de casos e mortes subir, enquanto outros países assistem a sua curva de casos e mortes se direcionando para baixo. Com isso, o modelo de ensino adotado hoje, com atividades sendo enviadas para a casa de alunos e aulas administradas por plataformas como o Zoom, deve permanecer ao longo de todo o ano de 2021. E se a situação não se resolver, as perspectivas para o próximo ano podem não ser as melhores.
Para a Coopermundi, o momento atual da pandemia é preocupante, mas eles estão preparados para garantir o funcionamento de suas atividades. “A realidade frente a pandemia tem nos deixado muito preocupados sim, e estamos preparados para que mesmo em momentos mais delicados, os alunos não fiquem sem o contato com o trabalho do professor”, diz Fabíula. Ela ainda completa dizendo que o principal objetivo é garantir que um ensino de qualidade continue a ser ofertado. “Com muita seriedade e com a clareza da importância do trabalho escolar na vida dos alunos, continuaremos buscando todas as formas possíveis de fazermos um atendimento complementar e personalizado evitar que lacunas comprometam a base do aprendizado”, completa.
Porém, quando analisamos o contexto geral do ensino no Brasil, o impacto da pandemia ainda deve ser sentido nos próximos anos. A falta de soluções eficientes como a adotada pela Coopermundi, assim como um modelo que assume que toda a população possui algum tipo de conexão, irá impactar uma geração inteira de alunos que por quase dois anos terão recebido uma educação que não os preparará para o mercado de trabalho. E assumir que isso possa ser resolvido com a revisão de conteúdos é uma utopia difícil de ser alcançada.
Ao trazer um olhar unilateral, que considera poucos fatores na hora da tomada de decisões, o sistema falha com os alunos que estão sendo prejudicados pelo período atual. “Crianças e jovens não são máquinas, são seres humanos. E seres humanos em formação, onde o isolamento social provoca efeitos desastrosos”, reafirma Ismael Rocha, diretor acadêmica da ITEDUC. “Se os aspectos socioemocionais não forem levados em consideração, de nada vai adiantar aumentar a carga de matemática ou língua portuguesa. Há um problema e temos que encarar de frente. Se mais uma vez jogarmos para debaixo do tapete, não poderemos reclamar mais à frente”, ele completa.
A pandemia vai passar. Porém, é um engano achar que os problemas causados por ela também sumirão no dia em que nenhum novo caso for detectado. O futuro da educação no Brasil é incerto, e soluções práticas que considerem todas as variáveis em jogo precisarão ser tomadas. O Brasil é um berço de mentes pensantes, que já provaram sua capacidade até hoje. Sistemas como os adotados pelas cooperativas educacionais são a prova disso. Mas o que faremos em seguida? É preciso parar e discutir esse cenário. A geração que será a base para o futuro do país espera soluções, e cabe a nós buscá-las onde quer que elas estejam.
Fonte: MundoCoop