Cooperativismo e humanidade: o fator por trás de tudo
28 de junho de 2021 às 16:00
Vivemos uma Era de inovações. Os filmes podem ter errado sobre carros voadores e teletransporte, mas é fato que temos hoje a tecnologia como uma ferramenta essencial para a nossa existência. Ela aproxima pessoas. Salva vidas. Constrói soluções. E dá vida a ideias. Viver sem a sua presença é quase impossível.
Com tantas inovações surgindo todos os dias, um velho temor da humanidade retorna: seremos substituídos? Em alguns países, principalmente naqueles super desenvolvidos tecnologicamente, as ferramentas desse mundo futurista já estão por toda a parte. Robôs realizam atendimentos, drones fazem entregas. Mas será que é possível ter um mundo totalmente conduzido por essas máquinas?
Nesta retomada das atividades, o fator humano tem sido um principal tópico de discussão. Nunca se falou tanto em humanização de processos, e na necessidade de entender as pessoas por trás das máquinas. Apesar dos questionamentos acima, podemos identificar prontamente que o mundo caminha para um modelo híbrido, onde homem e máquina dividirão espaços. Como fica o fator humano nessa equação? Nas cooperativas, onde o elemento humano é celebrado, teremos mudanças? As respostas para essas perguntas, posso afirmar, estão mais claras do que podemos imaginar.
Humano x Inovação
Uma das questões amplamente levantadas é que para inovar, é preciso deixar as emoções de lado. Livros e filmes trazem pessoas inovadoras como indivíduos solitários, como se para ter uma boa ideia, seja necessário abdicar de outros elementos essenciais à vida, como as relações interpessoais. Falar-se em uma briga entre inovação e humanidade, é um constante debate. Mas e se na verdade, em vez de elementos opostos, eles se complementassem?
Para Maysse S. Paes Honorato, Head de Comunicação e Relacionamento da Unicred União, o fator humano é – primeiramente – o elemento inicial para se dar vida à inovação. “Acredito que as pessoas são e sempre serão o centro de toda inovação. Não faria sentido inovar se tudo não passasse por pessoas e não fosse feito para as pessoas. Por isso, penso que as novas tecnologias estarão cada vez mais presentes na nossa vida, mas só terão vida longa aquelas que tiverem o ser humano como sua razão de existir”, afirma.
Não é preciso uma análise profunda para se ver que qualquer inovação parte de um fator humano por trás. O que seriam as grandes tecnologias sem as pessoas que as fazem? Se existe um ambiente que sabe muito bem esse fato é cooperativismo. São milhões de pessoas que, diariamente, colocam a mão na massa para fazer o movimento funcionar, levando tecnologias para o campo, assistência para as comunidades e soluções para quem quer que precise.
Pessoas são – e isso é incontestável – parte fundamental da máquina que faz o movimento cooperativista funcionar. E preocupar-se com esse elemento fundamental, é garantir que o sistema como um todo funcione. “O cooperativismo é formado por pessoas que se unem livremente em torno de objetivos comuns. É uma experiência transformadora e vários estudos comprovam que onde há cooperativas, há mais oportunidades e desenvolvimento humano”, afirma Honorato.
O cooperativismo existe porque pessoas se juntaram para criá-lo. E, como Honorato nos fala, para que haja essa força de cooperação é preciso que exista uma razão por trás de tudo. Cooperativas, assim como outras empresas, precisam ter um propósito para aquilo que produzem. A busca por esse propósito comum é a base para que o fator humano por trás de tudo, sinta-se entusiasmado a participar desse sistema, ajudando a evoluir constantemente.
Um período de transformação
Se aprendemos algo no último ano, é que nem a melhor das tecnologias pode substituir as pessoas por trás do funcionamento da sociedade em que vivemos. Quando a pandemia começou a mostrar sinais de gravidade, pessoas foram para a linha de frente para…cuidar de pessoas. Claro, as tecnologias de hoje possibilitaram não só o combate ao coronavírus, mas também foram essenciais na busca daquilo que está permitindo um sinal de esperança: as vacinas. Mas foram mentes humanas que conseguiram encontrar as soluções para os problemas que apareceram.
E, essas mesmas tecnologias, nos permitiram continuar a exercer nossas funções. Graças a elas, a maior parte das atividades pode seguir sem empecilhos, de forma segura e direto de nossas casas. Porém, nem todo esse cenário foi positivo. A mudança repentina pegou todos de surpresa, forçando uma adaptação. Para Geane Ferreira, Gerente de Desenvolvimento Social das Cooperativas do Sistema OCB, esse cenário – apensar que ter criado uma apreensão – possibilitou uma transformação das relações humanas.
“Cada ramo de cooperativa teve que lidar com desafios diferentes com a instauração da pandemia. De fato, a necessidade de manter a distância pegou todos de surpresa. Por outro lado, criou oportunidade de vislumbrar outras formas de comunicação que, de certa forma, aproximou ainda mais o quadro de cooperados”, afirma ela. Apesar de muito falarmos em isolamento social, nunca o fator humano esteve tão presente nas conversas. Por longos meses, discutir esse novo mundo e o que ele representa para cooperados e funcionários, ficou (e continua) no centro das atenções. Tal status não apenas reflete uma necessidade de preocupação com os impactos da pandemia, mas uma retratação de anos de falta de atenção aos elementos humanos que fazem todo o sistema funcionar.
Se no pré-pandemia já víamos uma mudança nessa dinâmica entre o mundo digital e o real, agora observamos a necessidade de avaliar o que essa nova configuração irá representar não só para a sociedade como um todo, mas também para o ambiente das cooperativas. Para Maysse Honorato, a capacidade de adaptação do ser humano foi a chave para que tivéssemos sucesso nesse período de transição.
“Aprendemos a trabalhar de modo virtual, focamos ainda mais em acolher e atender as necessidades dos nossos colaboradores e cooperados e crescemos como equipe e seres humanos”, nos conta. Para ela, essa dinâmica entre presencial e digital não deve ser tratada como luta entre forças antagonistas. “Não vejo o presencial como antônimo do digital, e sim como complementar. As duas dimensões são uma realidade na vida das pessoas, e temos de estar disponíveis em ambas”, completa.
E, se o trabalho em casa levantou inicialmente um temor sobre uma possível falta de produtividade, o que vimos no último ano foi a eficiência de um sistema onde o colaborador consegue entregar o que lhe é esperado, enquanto ganha qualidade de vida, que resulta em uma maior produtividade. Tal ciclo, beneficia os dos lados da moeda, mostrando um novo sistema que realmente funciona.
“O formato híbrido de trabalho já se mostrou muito eficiente em várias esferas. Algumas atividades precisaram voltar ao antigo formato presencial, mas, a maioria delas, já comprovamos que podem ser exercidas no formato híbrido. Entendemos que há tempos diferentes e que todos precisam se readequar aos novos formatos. Mas em várias atividades a produtividade aumentou neste novo contexto”, completa Honorato.
Após um dos maiores períodos de transição que vivemos nas últimas décadas, estamos caminhando para um novo momento onde destacar as pessoas por trás dos processos se mostrará uma atividade obrigatória para empresas, cooperativas e organizações. E nestes novos tempos, aqueles que entenderem que colaboradores são muito além de uma força de trabalho, irão ter sucesso em navegar por um mundo muito mais sensível com os indivíduos por trás dos monitores.
O fator Felicidade:
Qual o papel que a felicidade tem dentro das organizações? Apesar de parecer uma pergunta incomum, ela é essencial num momento em que discutimos a preocupação com as pessoas dentro dos ambientes profissionais. Afinal, bem-estar não deve existir apenas em momentos de lazer. Ser feliz deve ser um estado constante, em todos os momentos.
Reflexo desse novo momento da forma como as empresas se relacionam com seus colaboradores, hoje já é possível mensurar a felicidade. Geane Ferreira, Gerente de Desenvolvimento Social das Cooperativas do Sistema OCB, nos conta sobre a FIC, ou, Felicidade Interna do Cooperativismo; programa lançado neste ano, e que já é oferecido em unidades estaduais da OCB.
“O FIC tem como objetivo estimular e apoiar as cooperativas na busca constante pelo bem estar e qualidade de vida de seus colaboradores, cooperados e dirigentes. Ele está completamente alinhado com a visão de futuro do cooperativismo que é: Em 2025, o cooperativismo será reconhecido pela sociedade por sua competitividade, integridade e capacidade de promover a felicidade dos cooperados”, nos conta.
Criado com base no índice Felicidade Interna Bruta (FIB), o programa consiste na aplicação de um questionário individual, onde os membros de cooperativas respondem a questões classificadas em nove categorias: Governança, Padrão de vida, Educação, Bem-estar, Meio-ambiente, Cultura, Vitalidade comunitária, Uso do tempo, Saúde. Como Geane explica, as cooperativas então tem acesso a informações consolidadas, para que possam desenvolver planos de ação voltados à manutenção do bem-estar nas cooperativas.
A implementação dessa ferramenta é um dos principais reflexos dos novos tempos da relação entre colaboradores e cooperativas. Preocupar-se com o cooperado, que desempenha um papel essencial no movimento cooperativista, se tornou uma pauta a ser colocada em destaque. Em uma Era onde falamos de isolamento e substituição de humanos por máquinas, a felicidade – um fator tão humano – tornou-se centro das atenções.
“O cooperativismo acredita tanto na felicidade como fator de sucesso que a definiu na sua visão de futuro. Investir no bem estar e qualidade de vida reflete na felicidade das pessoas que tenderão a desempenhar com mais qualidade e maior produtividade as suas funções”, nos conta Geane. E os reflexos dessa mudança de pensamento das gestões não param por aí, resultando em um reconhecimento não só pelos próprios funcionários, como por sistemas que oferecem premiações, como o Prêmio SomosCoop. “As cooperativas que reforçam, por meio de práticas de gestão que valorizam o capital humano acabam alcançando melhores resultados e, consequentemente são reconhecidas por isso”, ela completa.
Para Maysse Honorato, essa humanização é uma tendência não só desse período pós-pandemia, mas que agora deve se enraizar na cultura organizacional. “Vivemos a era do cansaço. Nunca tanto se falou em sobrecarga, burnout, transtornos emocionais em função de excesso de trabalho e cada vez mais o minimalismo nos mostra que é possível viver de forma mais simples, com mais tempo livre para exercer atividades prazerosas”, afirma. Para ela, a pandemia não só ajudou a dar destaque para esse fenômeno, como também mostrou que mesmo em um momento onde a produtividade ficou em segundo plano, os resultados não foram afetados.
Substituíveis ou não?
A cada dia que avançamos, fica mais claro que as evoluções tecnológicas serão uma constante que não podemos parar. Mas o que podemos esperar desse cenário? Depois de tanto falarmos sobre o papel humano até o presente, o que podemos prever para o futuro? O fator humano mudará? Deixará de ser essencial? Apesar de ser impossível afirmar com certeza, podemos idealizar um cenário onde conseguiremos equilibrar o modelo ideal de trabalho e o bem-estar das pessoas. E imaginar esse cenário, é o primeiro passo para torná-lo real.
“A atividade humana é insubstituível. As pessoas são e sempre serão o centro das organizações. Sejam colaboradores ou cooperados. Qualquer nova tecnologia – e tomara que muitas venham e que venham logo, serão bem vindas no sentido de auxiliar as atividades humanas na organização e na produtividade”, conclui Honorato.
Filmes e livros podem ter errado muitas coisas sobre a real capacidade de criar coisas que desafiam os limites da física. Mas eles não estão errados somente nisso. Um futuro sem pessoas, não é um futuro. Se há alguns anos o conceito de futuro discorria sobre um tempo situado a daqui cinquenta anos, hoje ele é agora. A cada passo dado, a cada ideia pensada, estamos vivendo o nosso próprio futuro. Não dominado por máquinas, mas conduzido pelas pessoas que o tornaram possível. Se pensarmos bem, por trás de um futuro, deve existir um elemento humano que pense o que vem antes dele. Só existe futuro, se houver um fator humano que crie o conceito de passado.
Fonte: MundoCoop