A educação cooperativista fortalece
14 de setembro de 2020 às 13:55
Novos cooperados, que recebem educação eficiente sobre o cooperativismo, tornam-se integrantes fieis e engajados à cooperativa
Todo jogo, tem uma dinâmica, tem regras; e para que o grupo alcance vitórias é preciso conhecê-las. Usualmente, para se integrar um time, há toda uma preparação, para de fato ser a peça a fortalecer a equipe. Se o cooperativismo fosse um time, esse aprendizado todo seria a educação cooperativista; um conhecimento basilar, que deve acompanhar todo cooperativista, desde antes mesmo do apito inicial da partida, e ampliado constantemente. Nas cooperativas, a preleção para recepcionar cada novo integrante da equipe acontece cada uma a seu modo e de acordo com suas possibilidades.
A Unimed Porto Alegre, por exemplo, realiza um curso de integração para novos cooperados, que aborda desde estrutura organizacional, governança, cooperativismo, ética, auditoria médica, até benefícios de ser cooperado e posicionamento da cooperativa no mercado de Saúde Suplementar. O novo médico cooperado é convidado ainda à integração e relacionamento segmentado por especialidade médica, com informações da especialidade, processos e ferramentas utilizadas, para garantia da qualidade na assistência do dia a dia. Na última integração de novos cooperados, foram recebidos 286 médicos. A cooperativa reúne cerca de sete mil profissionais cooperados. Todos precisam ainda fazer, no formato EAD, o curso Cooperativismo e Sistema Unimed, que integra a capacitação obrigatória. “Quando os cooperados entendem a razão pela qual a Unimed Porto Alegre foi criada e a que se propõe, os processos se facilitam”, declara Márcia Schwikert, gerente de Relacionamento com Médicos Cooperados.
A cooperativa de crédito Cresol, que soma mais de 500 mil cooperados, conta com um processo unificado de educação cooperativista, realizado pelo Cresol Instituto. Seu programa “Juntos”, dividido em quatro núcleos, engloba desde a integração dos novos cooperados até treinamentos específicos voltados à capacitação para governança da cooperativa. O programa começa com o “Cooperar”, que faz a conexão com o novo cooperado. O primeiro responsável nesse processo de integração é o analista, na agência, que fornece informações sobre a cooperativa, juntamente com um material impresso e indicação do curso EAD do Cresol Instituto. São abordados os direitos e deveres, benefícios de ser cooperado, e faz a conexão ao próximo passo do programa. “O processo de desenvolvimento de compreensão do cooperativismo acontece em todas as ações do Juntos”, garante José Carlos Vandresen, gerente do Cresol Instituto.
Já a Cooperativa de Pequenos Agropecuaristas de Ibirubá (Coopeagri), com 20 anos de atuação e 1.335 cooperados, adota um sistema de educação não formal, como explica o presidente Lecian Conrad. É o próprio presidente quem assume a recepção do novo associado. Em uma conversa com o interessado, apresenta a cooperativa e o conceito de cooperativismo. “Falo um pouco da nossa forma de trabalho e do que realmente é o cooperativismo”, diz.
Conrad comenta que apesar de desde jovem estar envolvido em ações comunitárias e de cooperação, foi a partir da especialização em Gestão Cooperativa que de fato compreendeu o cooperativismo. “Pude compreender exatamente o que é uma cooperativa, no aspecto da sua dualidade conceitual, enquanto associação de pessoas e enquanto empresa; a importância da educação cooperativista; e a cooperativa como instrumento estratégico para a melhora das condições sociais da comunidade. A maioria dos cooperados não tem a compreensão exata do que é uma cooperativa. Se compreendessem, engajar-se-iam cada vez mais. É papel da comunicação e da educação trabalhar isso”, opina.
O primeiro princípio cooperativista já pressupõe esse conhecimento prévio. Explica Deivid Forgiarini, coordenador da graduação da Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo – Escoop, que a “‘adesão voluntária e livre’ quer dizer que a pessoa é tão consciente sobre o cooperativismo que optou por se associar”. Não há uma forma correta ou incorreta na recepção de novos associados, o importante é que a cooperativa realize esse processo de forma que as pessoas compreendam o significado de ser cooperado, desde o pontapé inicial da partida. Assim, a cooperativa cresce agregando pessoas verdadeiramente engajadas. “Quando se explica a diferença da natureza da cooperativa, estamos formando o cooperativista para formar a cooperativa”, diz Na visão de Forgiarini, “nós ainda abrimos muitas cooperativas, e formamos poucos cooperativistas”.
O professor avalia que as cooperativas que entendem o cooperativismo, o veem como diferencial competitivo e destacam sua identidade cooperativa em tudo o que fazem. “Elas têm inclusive apoiado as pessoas a buscarem uma segunda graduação em gestão de cooperativas. Se a vida inteira você só aprendeu a jogar vôlei, quando você chega na cooperativa, onde o jogo é futebol, vai querer por a mão na bola toda hora. É diferente a forma de administrar, e se só aprendeu a administrar empresas, vai tentar transformar a cooperativa em uma empresa, e o bom é exatamente ela não ser como uma empresa”, compara. “Precisamos de administradores cooperativistas, porque nossas cooperativas podem estar perdendo seu principal diferencial competitivo; as pessoas querem um consumo consciente, organizações com propósito e podem encontrá-los nas cooperativas”.
Processo permanente
Como sempre há algo novo a aprender. As cooperativas buscam oferecer continuamente acesso a conhecimentos a cooperados, conselheiros, funcionários e comunidade. A fim de promover uma educação cooperativa permanente para o desenvolvimento dos cooperados, a Unimed Porto Alegre realiza um levantamento anual das necessidades de treinamento e organiza um planejamento. “Além da Faculdade Unimed, a cooperativa conta com uma ampla rede de fornecedores que auxiliam a colocar o planejamento em prática. Os cooperados são convidados a participar e ministrar treinamentos”, explica Márcia Schwikert. Há ainda o apoio de ferramenta de ensino a distância, com ampla rede de cursos sobre variados temas. “O MBA Gestão de Negócios em Saúde é outra capacitação oferecida com o objetivo principal de preparar os cooperados para futuros cargos de gestão na cooperativa”, completa a gerente.
No programa Juntos, da Cresol, o segundo item, chamado “Vivenciar”, abrange projetos que dão sequência à educação cooperativista, tanto com cooperados quanto voltados à comunidade. “O foco é trabalhar a importância do cooperativismo, a atitude de se fazer parte de uma cooperativa e principalmente a educação financeira, já que somos cooperativa de crédito”, comenta José Vandresen. “A educação cooperativista, para nós, vincula o quinto princípio [Educação, formação e informação], e o sétimo [compromisso com a comunidade]”, defende. Em seu ambiente de educação a distância, o Cresol Instituto oferece 17 cursos livres a cooperados. “Tivemos, nos últimos três anos, um envolvimento de 80 mil pessoas nesses programas”, comemora.
A Coopeagri também investe continuamente em educação cooperativista, garante o presidente. Os 26 membros do conselho de representantes da cooperativa têm, no mínimo, dois encontros de formação ao ano. “No conselho de administração, temos duas reuniões ordinárias por mês, em uma delas o tema principal sempre é relacionado à área de formação sobre o cooperativismo”, conta Lecian Conrad. Também recebem educação sobre cooperativismo os colaboradores. Como integrantes da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), há ainda eventos de formação profissional e voltados à educação cooperativista. “A participação nestas atividades se dá tanto por funcionários da cooperativa, quanto por associados e integrantes do conselho”.
Para uma educação cooperativa eficiente, Carlos Daniel Baioto, professor do Centro de Ensino Superior Rio Grandense (Cesurg) chama atenção à definição de cooperação e cooperativismo. Explica que educação para a cooperação é uma metodologia, uma ação social. Já cooperativismo pressupõe uma doutrina, com princípios, valores, cultura, história, identidade. Ou seja, um movimento que vai além de atuar em conjunto. “Quando a gente limita o cooperativismo a uma experiência de cooperação, a gente simplifica a complexidade do fenômeno da experiência cooperativismo”, argumenta.
A educação é a chave para a expansão e compreensão de conceitos, para não se cair na armadilha de resumir cooperativismo exclusivamente como cooperação. Por isso, desde o início do cooperativismo, ensina Baioto, a educação cooperativista, foi pensada como uma forma de mudar a cultura. Um limitador da expansão cooperativista, acredita ele, é a falta de entendimento da sociedade sobre a doutrina cooperativista. “Com os cursos de cooperativismo crescendo no país inteiro, esse quadro tente a melhorar”, anseia.
Fonte: Site Mundocoop