Gestão e capacitação: preparando o cooperado de amanhã
11 de junho de 2021 às 10:26
Desde o início da vida escolar nós ouvimos a seguinte frase: as crianças de hoje serão os líderes de amanhã. É um fato. Mesmo que inconscientemente, todos os dias estamos preparando as novas gerações para ocuparem nossos lugares. E isso não se aplica apenas ao contexto profissional. Estamos formando novos pais, novos empreendedores, novos ativistas, novas vozes capazes de mudar o mundo de alguma forma. É um ciclo que não pode ser interrompido.
No contexto do cooperativismo, isso não é diferente. Alguns já estão no movimento há meio século. Outros, há uma semana. Como em todo tipo de organização, aos poucos uma nova geração vai assumindo os cargos de base, como também as lideranças. E com esses novos cooperados, ideias surgem. Novos sistemas são criados, assim como maneiras inéditas de manter a “máquina” cooperativista funcionando.
Mas será que estamos preparando o terreno para essa geração? Como sabemos, o ensino básico é essencial, mas não é o suficiente para que o indivíduo esteja apto a desempenhar funções dentro de uma empresa ou cooperativa. Para isso, é preciso trabalhar competências específicas. E assim como um jornalista e um arquiteto possuem suas particularidades, os cooperativistas também possuem as suas. Como então preparar o indivíduo que irá passar pela porta da cooperativa no futuro?
Uma boa gestão, para uma ótima educação
Por mais que haja consenso de que é preciso preparar nossa nova geração, muitas vezes essa vontade de construir os degraus não é colocada em prática. Não são poucas as ocasiões em que diretorias deixam de lado a capacitação, esperando que o colaborador chegue 100% preparado para iniciar as suas atividades. No cenário ideal, a capacitação deve ser tratada como prioridade pela gestão.
Mas para isso, é preciso – inicialmente – que haja uma gestão eficiente dentro da cooperativa. Este é o primeiro passo para que toda a estrutura funcione, garantindo os resultados que são esperados. Com uma boa gestão, os benefícios podem ser identificados por todas as etapas e níveis da cooperativa.
“Uma boa liderança e uma gestão eficiente fortalecem o engajamento das pessoas ao propósito e a cultura da organização, o que no cooperativismo é fundamental para que não se perca a essência. Criando também um ambiente favorável, com inovação e produtividade, as pessoas produzem mais e melhor, além de serem mais realizadas”, diz Kely Freitas, empreendedora e mentora focada em carreira cooperativa.
O cooperativismo em si, respira uma forma diferente de lidar com o ambiente profissional. Dentro dele, processos são humanizados, e buscam entender as necessidades do colaborador. Porém, mesmo que esses princípios façam parte do cerne do movimento, há uma defasagem quando buscamos ver a realidade por trás da teoria.
Mesmo que o movimento busque respirar inovação e modernidade, muitas vezes não é possível identificar um ambiente favorável para que esses objetivos sejam colocados em prática, resultando em um não aproveitamento total do que está à disposição das cooperativas e cooperados.
Para Emanuel Malta Falcão Caloête, diretor da Vértice Consultores, as diretorias ainda estão se adaptando a essa nova era. “Houve muitos avanços na utilização de ferramentas para a realização de assembleias, por exemplo, o que foi muito positivo, mas em geral há uma profusão de ferramentas, via de regra desconectadas da estratégia da organização (quando essa existe) e pouco utilizadas pelos cooperados e funcionários”, diz ele.
Ao visualizarmos o cenário que se desenha, vemos que a capacitação é algo que pode e precisa ser incluído nos mais diversos níveis da hierarquia. Assim como Caloête conta, há um desafio que as organizações enfrentam, do ponto de vista organizacional. “O principal desafio ainda é a gestão da estratégia. Talvez pela incompreensão das suas etapas, pela pressão do curto prazo, pela cultura organizacional, etc. Só esse tema já abrange uma série de desafios cruciais para o cooperativismo brasileiro”, afirma.
Além dos desafios organizacionais, ainda vemos um outro que muitos cooperativistas já identificam hoje: a comunicação. Afinal, se esperamos que o quadro de cooperados seja renovado, é preciso mostrar para o mundo o que o cooperativismo tem a oferecer. Fazer, sem vergonha da palavra, uma verdadeira propaganda dos valores e princípios que são trabalhados. É preciso chamar o jovem para dentro do movimento. E em uma sociedade onde milhares de empresas disputam a atenção do público, uma boa estratégia de comunicação é fundamental.
Para Freitas, o cooperativismo tem aquilo que o jovem de hoje procura. Isto é, ser um local inclusivo, democrático, de responsabilidade social e ainda, sustentável; preocupações cada vez mais esperadas pela nova geração. Porém, como ela ressalta, é preciso saber comunicar essas características para quem não faz parte do movimento.
“O grande desafio é falar de cooperativismo da porta para fora, nós precisamos ser mais ousados, falamos muito de cooperativismo da porta para dentro e por vezes usamos um “cooperatives” difícil de ser entendido. Precisamos falar de cooperativismo de forma simples, sobre como as cooperativas estão presentes, impactando na prática a vida das pessoas”, afirma Freitas.
Solucionando estes problemas, podemos esperar um salto ainda maior das cooperativas. Basta parar e pensar. Se mesmo com dificuldades o movimento tem visto um grande desenvolvimento, o que seria então de uma sociedade cooperativista, onde o novo cooperado já chega com uma “mente cooperativa”? Para isso, é preciso que um importante elemento seja inserido, efetivamente, no contexto do movimento: a capacitação.
Formando o novo cooperado
Quando estamos buscando um emprego, sempre precisamos demonstrar qualificações que tornem possível desempenhar um papel dentro do ambiente em que estaremos inseridos. Nas cooperativas, onde existe uma verdadeira gestão democrática, estar preparado é ainda mais essencial. Afinal, momentos onde uma decisão deverá ser tomada irão chegar.
A qualificação do cooperado é tão essencial que, hoje, já existem locais voltados para a formação profissional do novo cooperado. Entre esses locais, está a Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo (ESCOOP), que oferece cursos voltados para o ambiente cooperativista. Para Paola Richter Londero, coordenadora da Pós-Graduação da ESCOOP, buscar uma formação profissional cooperativista é indispensável, ainda mais diante das mudanças constantes que o movimento possui hoje. E essa necessidade de formação não diz respeito ao cooperado, mas também aos que ocupam as cadeiras de diretorias. “As lideranças das sociedades cooperativas devem estar constantemente se qualificando, afinal, estamos vivenciando um período de rápidas mudanças e que exigem novas competências dos nossos líderes”, afirma Londero.
E, como já mencionado anteriormente, sendo um meio com características tão próprias, é preciso que exista uma preparação para um ambiente mais focado no “nós”, e não no “eu”. Sendo um princípio do cooperativismo, aprender valores que possibilitem um trabalho colaborativo é um dos principais elementos a serem colocados no processo de formação da nova geração de cooperados.
“Em um mundo tão competitivo, os profissionais que escolhem seguir carreira no cooperativismo tendem a avançar pela cooperação, através do apoio mutuo; e buscam resultados mais justos para as partes envolvidas em suas negociações, a consciência quanto ao benefício coletivo e aspectos sustentáveis que impactam nas suas decisões”, nos conta Kely Freitas.
Com poucas palavras, entendemos então como possuir uma estratégia de capacitação moldada pelas necessidades das cooperativas é o caminho para aumentar ainda mais a capacidade de colaboração do jovem que chega agora ao movimento. Não é simplesmente criar um curso sem fundamento, mas entender as demandas do setor, e criar as condições para que o novo cooperado saiba lidar com aquilo que o irá esperar logo adiante.
“Quando estruturadas de acordo com a estratégia da organização, as principais lacunas de conhecimento são supridas no momento certo, fazendo com que a cooperativa entregue os resultados desejados e sobretudo valor para os seus diversos públicos com efetividade”, afirma Emanuel Caloête. Assim como em programas de compliance e governança, a capacitação deve ser criada em torno da cooperativa e/ou do movimento. Mas para isso, é preciso que haja uma vontade real daqueles que estão “no alto”, de criar ambientes onde isso seja fomentado.
Cooperativistas de ontem e de hoje
Falamos exaustivamente em preparar o novo cooperado, mas é preciso também lembrar que o movimento foi construído por pessoas que já estão na ativa há décadas. Com isso, preparar o cooperado para o “novo cooperativismo” não significa, e não deve significar, deixar de lado aqueles que cresceram dentro desse mundo. Para uma cooperativa se desenvolver de forma saudável, é preciso que o todo acompanhe cada passo dado.
Para Deivid Ilecki Forgiarini, Coordenador da Graduação da ESCOOP, essa união de gerações de cooperativistas é a chave para o sucesso do movimento. E a educação deve fazer parte desta dinâmica. “A educação é um processo contínuo que engloba os antigos e novos associados. E é nesse sentido que entendemos que a educação deve ser transformadora, devendo destacar os valores e princípios do cooperativismo demarcando a cooperativa com uma organização que difere das demais organizações”, afirma ele.
O conhecimento nunca foi algo que se encontra embalado e sendo vendico em uma prateleira. Ele é transmitido de geração em geração. É importante capacitar através de programas e metodologias, mas também é preciso promover uma integração humana, que por si só, irá preparar o novo cooperado.
“Os pioneiros do cooperativismo enfrentaram grandes desafios para que o movimento se tornasse o que é hoje e através dessa jornada acumularam um verdadeiro tesouro em conhecimento, experiencia, aprendizados e conquistas”, afirma Kely Freitas. É preciso reconhecer o papel dessas pessoas dentro da história do movimento, e porque não fazer isso tendo essas mesmas figuras como referência para aqueles que irão assumir os seus lugares nas décadas que virão? “A nova geração precisa respeitar e valorizar isso, por outro lado para que o cooperativismo cresça é preciso incentivar e desenvolver novas lideranças que trazem consigo um novo olhar e novas perspectivas para os negócios”, completa.
Aproveitamento coletivo
Não restam dúvidas de que capacitar o cooperado é a chave para elevar o cooperativismo a um novo patamar. Ao investir nesses programas, as cooperativas poderão ver um novo movimento, com novas lideranças surgindo naturalmente, no dia a dia. E é isso que precisamos. Não apenas como cooperativas. Mas como sociedade. Ao criar um ambiente onde a preparação constante prevalece, estamos atuando como uma verdadeira gestão focada nas gerações que virão a seguir. E os impactos de uma iniciativa tomada agora, poderão ser vistos não apenas no longo prazo, como também no momento em que elas foram iniciadas.
“Receber um cooperado mais consciente das singularidades de uma cooperativa, potencializa os resultados desse meio e, por isso é tão importante instituições e cursos que se pautem pelas singularidades das cooperativas”, nos conta Deivid Ilecki.
Mesmo com resultados favoráveis, não é difícil identificar que é possível fazer mais. O cooperativismo como um todo já ajuda milhões ao redor do país. E com uma iniciativa que trabalhe a estrutura cooperativa desde a sua raiz – o cooperado – essa capacidade de ajudar pessoas também será expandida. Porém, como Kely Freitas lembra, é preciso que isso seja um trabalho constante, e não uma exceção.
“Não basta ter programas de formação para os cooperados. É preciso o envolvimento diário, e a “ponta” é fundamental para fomentar e sustentar essa cultura. Não se desenvolve educação cooperativista só em sala de aula, ou convidando para assembleias uma vez por ano, é preciso vivenciá-la todos os dias”, conclui Kely.
Vivenciá-la todos os dias. Essa é a missão. Tornar a capacitação e o ensino do cooperativismo uma atividade diária, constante e onipresente. Pois apenas assim chegaremos a um novo nível, como cooperativa e como sociedade.
Fonte: MundoCoop